Lucas Cherem de Camargo Rodrigues

A súmula 650 do STJ não retira o dever da administração de observar o princípio da proporcionalidade.

Imagem: Artes Migalhas(Imagem: Artes Migalhas)

No fim do ano passado, a primeira seção do STJ aprovou a súmula 650, dispondo que “a autoridade administrativa não dispõe de discricionariedade para aplicar ao servidor pena diversa de demissão quando caraterizadas as hipóteses previstas no art. 132 da lei 8.112/90″1. Isto significa que se a conduta se subsumir a uma das hipóteses de demissão, a administração não pode aplicar pena mais branda.

Entretanto, princípio básico do direito sancionatório é a proporcionalidade. O STF já decidiu que a aplicação da pena de demissão a servidor público federal (RMS 35121/DF)2 deve observar proporcionalidade e considerar as circunstâncias atenuantes.

Por isso, o entendimento sumular não pode ser aplicado acriticamente, tanto pela administração como pelo judiciário. Deve ser temperado com o princípio da proporcionalidade. Afinal, o STF entendeu assim, ainda que em recurso em mandado de segurança.

Caso a caso

A princípio, o verbete representa um raciocínio lógico e simples. Se a lei diz que a demissão “será aplicada” nas situações arroladas ao invés de “poderá ser aplicada”, a constatação de que o servidor praticou aquela conduta a pena demissional é obrigatória.

Para algumas condutas, efetivamente não há espaço para decisão diferente. Por exemplo, inassiduidade habitual é um conceito definido na própria lei. Restando comprovado que o servidor faltou injustificadamente 60 dias num período de 12 meses, a pena de demissão é inevitável.

Existe aquelas que, a rigor, a definição se a conduta ocorreu não deve (ou não deveria) ocorrer no âmbito da administração. É o caso, por exemplo, de “crime contra a administração pública”, pois apenas o Poder Judiciário pode concluir pela existência de conduta criminosa. O mesmo raciocínio vale para o tipo disciplinar “improbidade administrativa”, ainda que existam entendimentos contrários. Nestes casos, se o Judiciário concluiu pela existência do fato punível, a administração fica sem margem para não aplicar a pena de demissão. A propósito, um problema surgirá na questão da demissão por prática de ato de improbidade: A Lei de Improbidade não autoriza a sanção de perda do cargo público para as condutas do art. 11 (infração a princípios), mas, de acordo com a súmula 650, a demissão é obrigatória. É uma grande contradição.

Há tipos disciplinares demissionais que são mais abertos. O que caracteriza proceder de forma desidiosa? Quando uma insubordinação é grave? A própria caracterização do fato exige grau de discricionariedade. Nisto, há risco de um evento de pequena gravidade imputar a pena de demissão de forma irrazoável e desproporcional.

A súmula 650 do STJ não retira o dever da administração de observar o princípio da proporcionalidade. Portanto, a administração deve ter muito cuidado nos julgamentos de processos disciplinares ao qualificar a conduta. A proporcionalidade não será exercida na dosimetria da pena, mas na subsunção da conduta. Deve levar em conta os antecedentes do servidor e as circunstâncias atenuantes, imputando o tipo passível de demissão apenas àquelas situações mais graves em que a sanção mais grave se justifica.

Lucas Cherem de Camargo Rodrigues

Advogado Direito Administrativo