Viusmar S. Lima

 

BREVE HISTÓRICO ACERCA DO REGIME PREVIDENCIÁRIO DOS TRABALHADORES RURAIS

Somente em 1963 haja vista a aprovação da Lei nº 4.214/1963 que instituiu o Estatuto do Trabalhador Rural prevendo a criação do Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural (FUNRURAL) proporcionando cobertura previdenciária à categoria. Como segurados obrigatórios a lei elegeu os trabalhadores rurais, os colonos ou parceiros, bem como os pequenos proprietários rurais, empreiteiros, tarefeiros e as pessoas físicas que explorassem as atividades com trabalhadores que residissem sozinhos ou com sua família em moradia fornecida pelo empregador, desde que em número inferior a cinco. Como segurados facultativos, o Estatuto permitiu o ingresso dos arrendatários, dos demais empregados rurais que não fossem segurados obrigatórios, bem como dos titulares de firma individual, diretores, sócios, gerentes, sócios solidários, sócios quotistas, desde que tivessem até 50 anos de idade no ato da inscrição. (SANTOS, 2019, p. 669).

Em 1971, a Lei Complementar nº 11 instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL). Por meio desse programa, o trabalhador rural tinha direito à aposentadoria por velhice, invalidez, pensão e auxílio-funeral, todos no valor de meio salário mínimo. Não havia contribuição por parte do trabalhador. O FUNRURAL passou a ser uma autarquia, tendo a responsabilidade de administrar o PRORURAL. (GOES, 2018, p. 4).

Apesar da Constituição Federal de 1967 e da Emenda Constitucional nº. 1/69 não alterarem expressamente a situação previdenciária dos trabalhadores rurais, prevendo ainda proteção previdenciária somente aos trabalhadores urbanos, o Decreto nº. 65.106/1969 criou o primeiro Regulamento da Previdência Social Rural. Contudo, somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988 é que se elevou ao status constitucional a proteção previdenciária dos trabalhadores rurais, equiparando-os aos urbanos. Aderindo ao sistema protetivo mais abrangente da Seguridade Social — Saúde, Assistência Social e Previdência Social —, a CF (art. 194, parágrafo único, II) garantiu a uniformidade e equivalência de benefícios e serviços às populações urbanas e rurais. (SANTOS, 2019, p. 681).

Desse modo, passou a dispor o art. 195, § 8º da Constituição Federal, com redação alterada pela EC nº 20/98, acerca da garantia de direitos previdenciários aos trabalhadores das áreas rurais:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

(…)

§ 8ºº O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.

Por derradeiro, sobrevieram a Lei nº. 8.212/1991, que dispõe sobre a organização da Seguridade Social instituindo o Plano de Custeio, e a Lei nº. 8.213/1991 que criou os Planos de Benefícios da Previdência Social, ambas finalmente deram tratamento equânime aos trabalhadores do nosso país, sobretudo no que concerne o acesso aos benefícios previdenciários.

2 DEFINIÇÃO DE TRABALHADOR RURAL NA SEARA PREVIDENCIÁRIA

De modo sucinto podemos dizer que os empregados rurais são aqueles trabalhadores que mantém vínculo empregatício, ou seja, possuem o registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) haja vista prestarem serviço remunerado a um empregador. Já os contribuintes individuais são aqueles que fazem os recolhimentos ao INSS por meio das guias e que prestam serviço sem a existência de vínculo empregatício, de filiação ou sindical. Ademais, os trabalhadores avulsos também prestam serviço sem vínculo empregatício, contudo, são filiados a alguma cooperativa, sindicato ou órgão gestor.

A seguir, por ter relação direta com o objeto deste trabalho, explicaremos de forma mais minuciosa o conceito de Segurado Especial uma vez que há a necessidade também de fazermos uma análise da legislação pátria no sentido de compreender quais rurícolas especificamente se encaixam nessa definição legal podendo, consequentemente, pleitear uma Aposentadoria por Idade Rural perante o INSS.

2.1 Segurado Especial

Como visto anteriormente, a Constituição Federal de 1988 trouxe expressamente no § 8º do art. 195 a garantia de cobertura previdenciária às pessoas do campo, especificamente ao produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exercem atividades em regime de economia familiar.

Diante dessa previsão a Lei nº. 8.212/1991 veio regulamentar essa proteção dispondo o seguinte:

Art. 12. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:

(…)

VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros a título de mútua colaboração, na condição de:

a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:

1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;

2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2o da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida;

b) pescador artesanal ou a este assemelhado, que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e

c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.

§ 1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.

O Decreto nº 3.048/1999, em seu artigo , inciso VII trouxe redação similar para atender ao mesmo ditame constitucional. Desta feita, considera-se Segurado Especial algumas espécies de trabalhadores rurais que exercem atividade rurícola individualmente ou em regime de economia familiar para manter a sua subsistência ou de sua família sem vínculo empregatício.

Vale ainda ressaltar que a Instrução Normativa nº 77/2015 do INSS define o Segurado Especial da seguinte forma:

Art. 39. São considerados segurados especiais o produtor rural e o pescador artesanal ou a este assemelhado, desde que exerçam a atividade rural individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros.

Em seguida esclarece o que se entende por atividade em regime de economia familiar. Vejamos:

§ 1º A atividade é desenvolvida em regime de economia familiar quando o trabalho dos membros do grupo familiar é indispensável à sua subsistência e desenvolvimento socioeconômico sendo exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes, independentemente do valor auferido pelo segurado especial com a comercialização da sua produção, quando houver, observado que:

I – integram o grupo familiar, também podendo ser enquadrados como segurado especial, o cônjuge ou companheiro, inclusive homoafetivos, e o filho solteiro maior de dezesseis anos de idade ou a este equiparado, desde que comprovem a participação ativa nas atividades rurais do grupo familiar;

II – a situação de estar o cônjuge ou o companheiro em lugar incerto e não sabido, decorrente do abandono do lar, não prejudica a condição de segurado especial do cônjuge ou do companheiro que permaneceu exercendo a atividade, individualmente ou em regime de economia familiar;

III – o falecimento de um ou ambos os cônjuges ou companheiros não retira a condição de segurado especial do filho maior de dezesseis anos, desde que permaneça exercendo a atividade, individualmente ou em regime de economia familiar;

IV – não integram o grupo familiar do segurado especial os filhos casados, separados, divorciados, viúvos e ainda aqueles que estão ou estiveram em união estável, inclusive os homoafetivos, os irmãos, os genros e as noras, os sogros, os tios, os sobrinhos, os primos, os netos e os afins; e

V – os pais podem integrar o grupo familiar dos filhos solteiros que não estão ou estiveram em união estável.

Por fim, o § 4º do mesmo dispositivo assegura ao Indígena a possibilidade de enquadramento como Segurado Especial. Vejamos:

§ 4º Enquadra-se como segurado especial o indígena reconhecido pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI, inclusive o artesão que utilize matéria-prima proveniente de extrativismo vegetal, desde que atendidos os demais requisitos constantes no inciso V do art. 42, independentemente do local onde resida ou exerça suas atividades, sendo irrelevante a definição de indígena aldeado, não-aldeado, em vias de integração, isolado ou integrado, desde que exerça a atividade rural individualmente ou em regime de economia familiar e faça dessas atividades o principal meio de vida e de sustento.

Com base nessas disposições legais é possível observar que o enquadramento do Trabalhador Rural como Segurado Especial depende de várias circunstâncias fáticas, as quais precisarão serem comprovadas documentalmente para que a pessoa, que viva em área rural e exerça atividade rural de subsistência ou assemelhada, possa solicitar sua Aposentadoria por Idade Rural.

3 REQUISITOS LEGAIS PARA A CONCESSÃO DA APOSENTADORIA POR IDADE RURAL

De início convém ressaltar que no sistema anterior usava-se a denominação Aposentadoria por Velhice, em seguida com a criação da Lei nº. 8.213/1991 surgiu a chamada Aposentadoria por Idade. A alteração veio para corrigir a antiga terminologia que era considerada por muitos discriminatória, buscou-se adequá-la à realidade haja vista que o fato de a pessoa ter 60 ou 65 anos não quer dizer que seja velha além do que a expectativa de vida das pessoas hoje tem atingido muito mais de 60 anos. (MARTINS, 1999, p. 255).

De acordo com o art. 48 da Lei nº. 8.213/1991 a Aposentadoria por Idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. Contudo, no que diz respeito aos trabalhadores rurais esses limites etários são reduzidos para 60 (sessenta) anos, no caso do homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos, no caso da segurada mulher. Desse modo, com base nesse disposto referido, é possível observar que existem basicamente dois requisitos legais para a concessão da Aposentadoria por Idade do Trabalhador rural, quais sejam, idade e carência.

4 COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL

Apesar da prescindibilidade da carência, tanto na via administrativa quanto na seara judicial é indispensável a comprovação documental acerca do tempo mínimo de exercício de atividade rural. Cabe ressaltar que, em sede de justiça, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) inclusive possui entendimento consubstanciado na Súmula nº. 149 no sentido de que “a prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário”.

Nesse sentido, para que o Segurado Especial tenha seu requerimento administrativo deferido é imprescindível a apresentação de documentação comprobatória relativa ao exercício de atividade rural, ou seja, é obrigatório demonstrar pelo menos 180 meses de atividade rural anterior ao pedido administrativo, mesmo que não seja de forma contínua. Isso significa que o Segurado Especial terá que juntar documentos hábeis a demonstrar no mínimo 15 (quinze) anos de exercício rural.

Desse modo, pode-se observar que não é qualquer documento apresentado pelo Requerente perante o INSS que preencherá o requisito da comprovação do exercício de atividade rural anterior ao requerimento, sendo necessário que o mesmo esteja previsto na legislação previdenciária ou que seja devidamente reconhecido pela Autarquia. Tal desiderato não tem sido tarefa fácil para uma grande parte dos Trabalhadores Rurais que pleiteiam uma aposentadoria rural por idade haja vista algumas peculiaridades fáticas inerentes à vida campestre e ao meio rural.

Contudo, com a edição da Medida Provisória nº 871/2019, posteriormente convertida na Lei nº 13.846/2019, o referido dispositivo normativo foi expressamente revogado, ou seja, a declaração emitida pelo Sindicato Rural passou a não ter mais a chancela legal para evidenciar a atividade laboral dos trabalhadores rurais. De modo prático, o sindicato rural continuou podendo exarar a declaração, porém a mesma passou a não ter a mesma validade comprobatória anterior. Houve inegavelmente um recrudescimento dos meios de prova do exercício rural, sobretudo para aqueles Segurados Especiais que poderiam utilizar o referido documento para atestar a presença do sobredito requisito concessivo da Aposentadoria por Idade.

Na verdade, o que ocorreu é que, sob a justificativa de combater irregularidades e fraudes em benefícios previdenciários, acabou-se punindo os Segurados Especiais que laboraram a vida toda no campo com a desconsideração de um documento que poderia ser determinante na concessão de aposentadorias rurais. Na prática, aquele lavrador, agricultor ou pescador que já contava com o desafio da escassez probatória ficou ainda mais desamparado pela norma previdenciária.

CONCLUSÃO

Diante de tudo que foi discorrido nesse trabalho, pode-se admitir que a proteção constitucional ao produtor rural, pescador, ou trabalhador campestre enquadrado no conceito legal de Segurado Especial é de suma importância, sobretudo se considerarmos a infinidade de pessoas e famílias que obtém do campo seu sustento nas áreas rurais do nosso país. Contudo, como foi relatado as exigências documentais relativas à comprovação do exercício laboral campestre em período anterior ao requerimento administrativo têm sido um grande obstáculo à obtenção de aposentadorias por idade rural.

Na prática é incontroverso que muitos trabalhadores rurais dessa categoria não se preocupam em reunir os documentos probatórios necessários durante o tempo em que exercem a atividade laborativa deixando essa árdua tarefa somente para o momento da solicitação administrativa. A distância das áreas urbanas aliada a pouca instrução escolar da maioria dos segurados especiais favorece uma realidade de escassez de informação a respeito da obrigatoriedade de comprovação do exercício rural resultando em inúmeros indeferimentos. Consequentemente as decisões denegatórias servirão de motivação para ações judiciais abarrotando ainda mais o Poder Judiciário.

Viusmar S. Lima

Advogado.