Qual deve ser a conduta do empregado relegado ao “limbo trabalhista-previdenciário”

 

Da  Redação

Cirso é empregado registrado de uma empresa. Ele tem um problema de saúde e precisa se afastar pelo INSS. Depois de vários meses de afastamento, o INSS lhe dá alta. Cirso avisa a empresa, mas o médico do trabalho acha que ele ainda não está apto. Por conta disso, a empres não permite seu retorno ao serviço.

A empresa até ajuda Cirso a recorrer da alta do INSS, ligando no INSS e marcando nova perícia. Seus chefes mandam ele ficar em casa, aguardando o resultado do recurso.

Enquanto isso, por meses e meses Cirso fica sem trabalhar, sem receber salários e sem receber benefício do INSS. Para piorar, quando finalmente chega a resposta da Previdência, ela é negativa.

Cirso é um nome fictício e o histórico feito acima é a junção de vários relatos muito parecidos. É uma situação que ficou conhecida na Justiça do Trabalho como “limbo trabalhista previdenciário”. E justamente por ser algo bastante comum, mas que ainda inspira dúvidas, incertezas e problemas.

A jurisprudência tem diferenciado entre as situações e cada vez mais leva em consideração a conduta do empregado a partir da alta do INSS. Em razão disso, mais do que nunca o trabalhador que vivencia a situação do limbo trabalhista previdenciário deve estar atento aos seus direitos e aos cuidados para resguardá-los e exercê-los, para que não sofra nenhum prejuízo.

O limbo “clássico”: médico do trabalho impedem o retorno

“Limbo” é uma situação de esquecimento, de caráter indefinido. No sentido coloquial, pode ser o “local utilizado para jogar coisas inúteis”.

A proibição do retorno ao serviço pelo médico do trabalho e/ou pela própria empresa após alta previdenciária caracteriza o limbo trabalhista previdenciário “clássico”.

De modo geral, já há muitos anos a Justiça do Trabalho consolidou o entendimento de que o empregado que tem alta do INSS não pode ser impedido de retornar ao serviço pelo médico do trabalho e nem pela empregadora.

Assim, depois que o trabalhador tiver “alta” do INSS, a conduta a ser adotada pelas duas partes deve ser a seguinte:

  • o empregado deve se apresentar ao serviço;
  • o médico de trabalho e a empregadora NÃO podem impedir seu retorno, ainda que seja para trabalhar em funções compatíveis com sua condição de saúde;
  • além disso, a empresa tem a obrigação de restabelecer o pagamento de salários desde a cessação do benefício previdenciário.

A impossibilidade do médico do trabalho e da empresa obstarem o retorno do empregado depois da alta do INSS tem vários fundamentos jurídicos e legais. De forma resumida, os principais e mais frequentemente referidos pelas decisões judiciais são esses:

  • o parecer do órgão previdenciário é um ato administrativo que goza de presunção de correção e boa-fé. Concordem ou não as partes com a alta do INSS, ela deve ser cumprida;
  • cessada a condição suspensiva/interruptiva do contrato de trabalho, ele deve ser restabelecido (art. 476, CLT). A empregadora deve permitir o retorno do empregado ao serviço, ainda que em funções compatíveis com a condição de saúde do empregado e deverá restabelecer o pagamento dos salários;
  • o empregador é responsável pelos riscos do empreendimento, conforme artigos e da CLT;
  • o empregado é hipossuficiente e não pode ficar desprovido de meios de sustento, inclusive por força dos artigos , III, CF (dignidade da pessoa) e art. , “caput”, CF (direito social ao trabalho)

Em ações judiciais com o contexto descrito acima, o resultado mais frequente é o reconhecimento de que a empregadora deve pagar os salários desde a alta. Além disso, a empresa deverá permitir o retorno ou mesmo pode ser decretada a rescisão indireta do contrato, com o pagamento de todos os encargos trabalhistas, caso o trabalhador opte por este pleito.

Dependendo da duração do período no “limbo” e das circunstâncias específicas do caso, a empregadora também pode ser responsabilizada pelo pagamento de indenização por danos morais.

necessidade de comprovação de se apresentar ao serviço e de proibição pela empresa

A Justiça do Trabalho tem diferenciado entre as situações concretas ao analisar os direitos do trabalhador que tem alta do INSS e não retorna ao serviço.

Se há alguns anos quase que invariavelmente as empresas eram condenadas a pagar os salários desde a alta, além de outras implicações (restabelecimento ou rescisão do contrato e danos morais, por exemplo), atualmente é levada em consideração a conduta do empregado a partir da cessação do benefício.

Na prática, isso significa que muitas decisões judiciais tem observado se de fato o trabalhador se reapresentou ao serviço e se ele foi impedido de trabalhar pelo médico do trabalho ou empregadora, ou se permaneceu inerte.

Assim, não são nem um pouco raras – muito pelo contrário! – as decisões que exigem prova de que o empregado se colocou à disposição e também de que a empresa ou médico do trabalho não permitiram o retorno. Havendo comprovação, os direitos reclamados são reconhecidos. Por outro lado, se não houver prova de ato irregular do empregador e/ou se for comprovado que o trabalhador ficou inerte ou se recusou a retornar, seus pedidos podem ser rejeitados. Indico algumas decisões nesse sentido ao final do artigo.

As provas podem ser documentais (e-mails, telegrama com cópia e confirmação de recebimento, ofícios, notificações extrajudiciais, etc) ou orais (testemunhas).

O que o empregado deve fazer após alta do INSS

Nesse cenário, mais do que nunca, o empregado deve adotar algumas cautelas imediatamente após ciência da alta do INSS:

  • Comunicar a empregadora a respeito da alta, colocando-se a disposição para retornar ao serviço. O ideal é que a comunicação seja por e-mail ou documento escrito e registrado, que deverá ser guardado pelo empregado, juntamente com a (s) resposta (s);
  • Se o exame médico de retorno for marcado, o empregado deve comparecer e guardar o atestado;
  • A empresa deverá determinar sua reapresentação ao serviço e retomada das atividades e restabelecer o pagamento dos salários.

Porém, se o médico do trabalho e/ou empresa não permitirem o retorno já nos dias seguintes, recomenda-se que o empregado procure orientações jurídicas completas de advogado trabalhista de sua confiança, para que receba instruções sobre providências extrajudiciais a tomar (por exemplo: envio e registro de novo documento reiterando que está à disposição) ou mesmo ações judiciais.

Por fim, confirmando a importância da adoção de medidas de urgência, assim como do registro formal delas, chamamos atenção à Súmula nº 32 do TST. Ela autoriza a dispensa por justa causa em caso de ausência injustificada ao serviço por mais de 30 dias após alta previdenciária. Existem argumentos contra a possibilidade de dispensa na hipótese do limbo jurídico, mas o risco da demissão deve ser considerado e corrobora a necessidade de adoção dos cuidados elencados acima.